Algumas semanas atrás, eu vi um programa de televisão falando sobre um grupo de estudantes da Coreia do Norte que foi sentenciado a trabalho forçado por assistir a série "Squid Game". O apresentador também apontou que o país é um dos mais fechados do mundo e nem mesmo o uso da Internet é permitido lá, então, comecei a pensar, "seria ela tão importante assim?", eu sei que é uma questão de censura, mas, será que realmente estamos bem servidos por termos ela em mãos?
Eu não me refiro à Internet realmente benéfica, um lugar de busca pelo conhecimento e comunicação universal, mas, ao seu modelo popular atual, um antro de censura, manipulação, desinformação e vigilância, onde as grandes corporações reinam e a tornam cada vez mais restrita.
Não muito tempo depois de ter visto aquela notícia, enquanto eu ouvia rádio, A Voz do Brasil apresentou uma conversa com o ministro das comunicações, Fábio Faria, sobre a implementação da tecnologia 5G no Brasil. Ele atribuiu uma grande revolução nacional à interiorização da internet, mas, é preocupante pensar nisso vendo a lista de aplicativos que ele cita, como Facetime, Uber e WhatsApp, todos privativos.
Estar bem conectado não é algo positivo se for usado de maneira que prejudique novos usuários, pois, pela sua falta de conhecimento, terão mais facilidade para cair nas mãos das grandes corporações. Isso já começa na escolha das ferramentas que serão usadas nas escolas, como, Google Classroom, Google Drive e Google Meet, e acaba nas redes onde todos irão se comunicar, WhatsApp, Instagram e Facebook. Sem nem tomarem conhecimento do que é a Internet de fato, já terão os dados tomados e entendimento limitado apenas aos serviços dessas empresas, ofuscando o real valor dela como veículo de expressão e acervo de conteúdo universal.
Seria lindo se essa interiorização ocorresse de forma que melhorasse o Brasil, aumentando a influência de estados menos expressivos nas decisões públicas e conectando habitantes de áreas mais remotas com pessoas da mesma região, mas, pelo que parece, ela apenas expandirá o uso de plataformas nocivas. Os únicos que realmente poderão se beneficiar são as empresas de tecnologias privativas e o governo, que possuirão ainda mais poder. Alguns podem falar que isso tornaria a vida de todos mais prática, mas, mesmo que as ferramentas funcionem para o propósito que foram criadas (além de roubar dados), os malefícios que elas trazem são muito maiores que seus benefícios, pois, usá-las é compactuar com a monopolização da Internet, a vigilância, o controle social e a consequente extinção dos locais de livre expressão ainda existentes nela.
A vasta maioria dos sites da Internet comum tem rastreadores implantados em cookies de terceiros ou botões de avaliação e compartilhamento de redes sociais, eles são programados para te seguir, mesmo que os sites que você acesse estejam fora do domínio deles, assim seu histórico da internet é registrados por algoritmos para gerar anúncios que combinem mais com os seus interesses. As redes sociais se beneficiam de truques psicológicos, como, direcionar conteúdo que seja contraditório a sua visão, incentivando-o a se engajar em interações por mais tempo do que se visse apenas tópicos da sua bolha de interesses, o algoritmo do Facebook também usa as contagens de avaliações para intensificar a mostra de postagens odiosas no seu "feed", pois, ele as classifica por intensidade do sentimento, "Like" valendo 1 e "Raiva" valendo 5. Outras mecânicas populares são a da "rolagem infinita", que gera páginas sem fim e conteúdo ilimitado, e a contagem de "likes" e inscritos, que são o único separador existente entre postagens e usuários, senão, todo o conteúdo seria avaliado individualmente do que julgado como bom ou ruim baseando-se no consenso da maioria.
A perfilização e o behaviorismo são grandes forma de obter controle completo sobre os usuários, dando poder incomensurável numa sociedade onde todos estão conectados. Esse controle pode gerar mau uso de poder, alguns exemplos disso são a intensificação de extremismos pelo algoritmo do Facebook, revelados nos papéis de Frances Haugen, ex-funcionária da empresa, que pode ter incentivado o acontecimento de eventos como a invasão ao capitólio e a censura que ocorreu na versão vietnamita do serviço em 2020 após o governo ter ameaçado o banimento do serviço no país.
A imagem acima mostra os provedores de dados do projeto de vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA), PRISM, e os dados que eles podem fornecer, como detalhes de redes sociais, arquivos transferidos, atividade de login e outros.
Como pode ser visto, a Internet comum atual serve apenas para nos manipular e vigiar, tudo sendo para o benefício de grandes empresas e seguidamento dos governos, principalmente o dos EUA. O do Brasil também tenta usufruir dele, mas, não consegue. Enquanto a acessar continuar significando se submeter à exploração dos monopólios, ela não será benéfica para ninguém. Diferente do que Fábio Faria, diz, se ela não for reinventada e seus usuários reeducados, em vez da conexão em massa pôr o Brasil no mesmo nível em que os países desenvolvidos, ela o transformará numa distopia, tornando a população cada vez mais dependente.
Uma forma de transformá-la em um ambiente valioso para todos é aprendendo como se defender do modelo presente, boicotando os disserviços populares, aderindo o uso de ferramentas que respeitam sua privacidade para se conectar à Internet e se comunicar (GNU/Linux, Tor Browser, Element), e criando seu próprio site. Alguns recursos para se informar sobre o assunto são:
https://spyware.neocities.org - Site que verifica a existência de espionagem em programas populares (em inglês);
https://ssd.eff.org - Guia de autodefesa contra vigilância;
https://www.privacytools.io - Lista de programas que respeitam sua privacidade (em inglês);
https://www.gnu.org - Site do projeto GNU, com conteúdo didático sobre a filosofia do software livre, licenças de software e software privativo;
https://www.neocities.org - Plataforma onde este site foi feito;
“Eu não acredito que nossa espécie possa sobreviver a não ser que consertemos isso (redes sociais).
Não podemos ter uma sociedade em que, se duas pessoas querem se comunicar, a única forma que pode ocorrer é se isso for financiado por uma terceira pessoa que quer manipulá-las” - Jaron Lanier
Publicado em 29/12/2021